O ABORTO ENTRE ADOLESCENTES

Transcrição de parte do texto:


A fase de adolescência é caracterizada por etapas de desenvolvimento físico, mental, emocional e social, passando de uma fase de dependência socioeconômica total a outra de relativa independência. Sabe-se que a transição da infância para a fase adulta é um processo lento; no entanto, se uma adolescente engravida, esta fase é transposta aos saltos, quando ainda está se adaptando às transformações que estão ocorrendo em seu corpo.

A sociedade comporta-se de maneira contraditória, quando considera importante que o jovem exerça a liberdade sexual no momento que desejar e exalta a satisfação de todo ou qualquer desejo, porém a exaltação do prazer fica restrita às relações sexuais e o erotismo tem sido utilizado como meio de venda de produtos do prazer físico e a aquisição destes representa status social. Outras formas de prazer, que contribuiriam para o crescimento intelectual da adolescente, na maioria das vezes não são citadas. No entanto, nesta mesma sociedade, os valores modernos difundidos são os de percepção do amor em lugar da maternidade, como base de casamento, escolha individual e subjetiva do parceiro, maternidade retardada, estudo e trabalho fora do lar, que vem exigindo cada vez melhores qualificações. O aborto só é considerado útil enquanto a gravidez não se tornou pública. Desta maneira, a sociedade não oferece garantias para o exercício da sexualidade das adolescentes nem as adolescentes são conscientizadas das conseqüências que a sua liberdade sexual pode trazer, tendo tudo para se tornar traumática.

A sexualidade masculina e feminina construída socialmente cria estereótipos em que a sexualidade masculina é reconhecida como incontrolável, cheia de permissões e incentivos, e a sexualidade feminina é recheada de cobranças e restrições, devendo ser despertada e estar subordinada à vontade do homem. A ideologia responsabiliza a mulher e exime os homens de qualquer responsabilidade na questão da contracepção e da maternidade. A idéia que predominava e que ainda persiste é a responsabilização da mulher pela gravidez, mesmo nos casos de violência sexual ou risco de vida(1).
A idade de iniciação das relações sexuais varia de um país para outro, segundo os valores regionais e culturais. No Brasil, 64% dos adolescentes do sexo masculino e 13% do sexo feminino de 15 a 17 anos são sexualmente ativos(2). Desse modo, a atividade sexual dos adolescentes é um indicador da gravidez em idade precoce, fenômeno que está acontecendo em todos países, numa freqüência cada vez maior, segundo dados do Ministério da Saúde. Estimativas indicam que, no Brasil, cerca de 1.000.000 de adolescentes engravidam todo ano, e 10,7% terminam em aborto(3).

A queda(4) progressiva da fecundidade no Brasil, através dos dados do Censo do FIBGE(5), evidencia a diminuição do número de filhos, de 4,5 filhos por mulher em 1980, para 2,5 filhos. Porém, esta queda da fecundidade como fenômeno mundial é perceptível em todas as faixas etárias, exceto entre adolescentes(6).
O responsável por esta queda é o uso dos métodos contraceptivos, no qual a esterilização é responsável por 44%, a pílula 41% ao lado do aborto(7).

Pesquisa realizada em toda América Latina pelo Instituto Alan Guttmacher(8) aponta que no Brasil uma taxa anual de 3,7 abortos para cada 100 mulheres, na faixa etária de 15 a 49 anos, e, no total de 4.693.300 gestações ocorridas no país no ano de 1991, um total de 1.433.350 terminaram em aborto, ou seja, 31% das gestações foram interrompidas.
Dados recentes apontam que entre 1993 e 1998, houve um aumento de 31% no percentual de parto entre meninas de 10-14 anos foram atendidas pela rede do SUS e que em 1998, 50 mil adolescentes submetidas à curetagem pós-aborto em hospitais públicos(9).
O aborto induzido ou provocado é um assunto conhecido de todos, um ato ilegal em nosso país, um caso típico de controvérsia quanto ao fundamento ético; um problema, porém, de saúde pública pela freqüência com que ocorre, sendo que no Brasil representa a quarta causa de morte materna, devido a complicações.

É uma prática comum em todas as classes sociais, idades e estado civil, porém, dependendo da situação financeira, os riscos são maiores ou menores, assinalando a diferença entre a adolescente de maior e de menor poder aquisitivo(3). As adolescentes de maior poder aquisitivo utilizam as clínicas especializadas e têm acesso à assistência qualificada; enquanto, na maioria das vezes, as adolescentes pobres não recorrem ao aborto por não terem condições financeiras e, como alternativa, buscam pessoas não habilitadas e métodos abortivos rudimentares, que levam a graves complicações e morte. A clandestinidade transforma o aborto em um negócio lucrativo, garantindo a impunidade para aqueles que o realizam.



fonte: Revista Latino-Americana de Enfermagem
versionPrint ISSN 0104-1169
Rev. Latino-Am. Enfermagem vol.9 no.2 Ribeirão Preto Mar./Apr. 2001
doi: 10.1590/S0104-11692001000200006
Vera Lúcia Costa Souza
Maria Suely Medeiros Corrêa
Sinara de Lima Souza
Maria Aparecida Beserra

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