Crescimento Espiritual - Abraham Kuyper
"... Prossigamos até a perfeição, não lançando de novo o fundamento..." - (Hebreus 6:1)
Para sistematizar a obra do Espírito Santo nos indivíduos, nós devemos primeiro considerar a sua condição espiritual antes da conversão. A incompreensão deste ponto leva ao erro e à confusão. Faz com que as várias operações do Espírito Santo sejam confundidas, que os mesmos termos sejam usados para designar coisas diferentes. Confunde o próprio pensamento de alguém, e leva outros a direções erradas. E isto aparece muito seriamente em ministros que discutem o assunto em termos gerais, que com naturalidade evitam a certeza, e consequentemente reiteram as mesmas banalidades, os mesmos lugares comuns. Pregação tal causa pouca ou nenhuma impressão; ela é monótona e cansativa; acostuma a orelha a repetições; e falta-lhe estímulo para o ouvido interno. E a mente, a qual não pode permanecer inativa sem impunidade, procura alívio por sua própria conta, muitas vezes na descrença, longe da obra do Espírito Santo. As palavras "coração", "mente", "alma", "consciência", "homem interior" são utilizadas indiscriminadamente.
Há chamados, apelos freqüentes para a conversão, a regeneração, a renovação de vida, a justificação, a santificação e a redenção; enquanto que os ouvidos não foram acostumados a compreender, a entender em cada uma destas palavras algo especial e uma revelação peculiar da obra do Espírito Santo. E ao final, esta pregação caótica torna impossível a discussão inteligente quanto às coisas divinas, uma vez que uma pessoa iniciada e mais uniformemente instruída não poderá ser compreendida. Nós protestamos solenemente, especialmente contra a aparência pia que encobre o vazio e a falta de significado desta pregação quando diz: "O meu Evangelho simples não tem lugar para estas distinções triviais; elas são características da erudição seca com a qual as mentes esquivas assustam os queridos filhos de Deus, e os colocam sob a escravidão das letras. Não, o Evangelho do meu Senhor deve permanecer para mim uma fonte de vida e espírito; portanto poupe me dessas sutilezas". E sem dúvida de que há alguma verdade nisso. Através de uma análise seca da verdade que refresca a alma, mentes abstratas muitas vezes roubam das almas mais simples muito conforto e alegria. Eles discutem as coisas espirituais nos termos híbridos de Latim Anglicanizado, como se as almas não pudessem ter parte com Cristo, a menos que sejam experts no uso desse palavreado falsificado.
Tal intimidação dos fracos denota orgulho e auto exaltação. E um orgulho muito estúpido é este, pois o conhecimento apregoado é prontamente adquirido por um mero esforço da memória. Tal externalização da fé Cristã é ofensiva. Ela troca a religiosidade genuína por uma língua escorregadia e maliciosa, e a justificação da fé pela justificação mental. Assim a religiosidade do coração transfere-se para a cabeça, e ao invés do Senhor Jesus Cristo, é Aristóteles, o professor mestre da dialética, que se torna o salvador das almas. Defender tal caricatura está longe do nosso propósito. Nós cremos que a nossa salvação depende somente da obra de Deus em nós, e não somente do nosso testemunho; (Monergismo) e a criança pequena, ainda com seus lábios inseguros, mas em quem o Espírito Santo tenha operado, precederá esses vãos escribas no Reino do Céu. Que ninguém se atreva a impor o fardo dos seus pensamentos próprios sobre os seus semelhantes.
O fardo de Cristo, somente, é que se adequa as almas dos homens. E todavia o Evangelho não perdoa a falta de profundidade, nem tampouco aprova a mera tagarelice. É claro que existe uma diferença. Não exigimos que nossas crianças conheçam os nomes de todos os nervos e músculos do corpo humano, das doenças às quais ele está sujeito, e de todos os medicamentos que completam a farmacopéia. Faze-lo seria uma sobrecarga para os pequeninos, que são os mais felizes enquanto inconscientes do complexo organismo que carregam consigo. Mas, o médico que não esteja bem seguro da localização desses órgãos vitais; que, sem preocupar-se com detalhes se satisfaça com as generalidades da sua profissão; que, incapaz de diagnosticar o caso corretamente, falhe ao administrar a medicação apropriada, de imediato é demitido, e um outro profissional, dotado de melhor discernimento e melhor preparado é chamado para substituí-lo. Pessoas bem informadas não deveriam ser ignorantes quanto a esses órgãos vitais do corpo humano, bem como das suas principais funções; mães e enfermeiras deveriam ser ainda melhor informadas. O mesmo aplica-se à vida da Igreja. Aqueles menos dotados entre os irmãos não podem compreender totalmente as distinções da vida espiritual; são incapazes de suportar carne, devem ser alimentados somente com leite. Nem tampouco devem as crianças mais jovens serem fatigadas e entorpecidas com frases muito além da sua compreensão. Tanto aqueles como estas devem ser ensinados de conformidade com "o teor da sua maneira". Uma criança conversando sobre assuntos de religião em termos discriminatórios afeta desagradavelmente o sentimento espiritual. Mas não é assim como médico espiritual, i.e., O ministro da Palavra. Se um veterinário é demitido por não ser capacitado o suficiente, quanto mais aqueles que, pretendendo tratar e curar almas, denotam a sua própria ignorância acerca das condições e atividades da vida espiritual.
Por esta razão é que insistimos que cada ministro da Palavra seja um especialista nesta anatomia e fisiologia espirituais; familiar com as várias formas de Enfermidade Espiritual, e sempre capacitado com a plenitude do saber que vem de Cristo, para selecionar o medicamento espiritual exigido. E reclamamos o mesmo conhecimento, se não exatamente no mesmo grau, de cada homem e mulher inteligentes. O médico ou o advogado que se ri da nossa ignorância quanto aos princípios da sua profissão deve ser igualmente envergonhado quando demonstrar a sua própria e lamentável ignorância quando à condição da sua alma. Na vida espiritual cada talento deveria ser de interesse. Cada homem, cada indivíduo deveria ser simetricamente desenvolvido. De acordo com o seu campo de visão, força de poderes, e perspicácia, ele deveria ser capaz de distinguir as coisas espirituais e as necessidades da sua própria alma. E que este conhecimento seja amplamente encontrado somente entre o nosso povo simples, e temente a Deus; e não entre as classes mais altas, é um sério e deplorável sinal dos tempos.
"O conhecimento que é poder na esfera espiritual, e capaz de curar, não advém em termos estranhos, não se cansa nos vários criticismos da Bíblia, não é fã somente de raciocínios filosóficos, não deixa as almas padecerem de fome dando-lhes pedras ao invés de pão; mas busca sistematicamente a Palavra e a obra de Deus nas almas dos homens, e prova que um homem de fato estudou as coisas as quais ele deve ministrar à Igreja."
Aqueles nossos líderes espirituais, portanto, que na universidade e nas classes do seminário substituíram esse conhecimento espiritual por várias formas de criticismo e apologética, têm muito pelo que responder. Pois nos últimos trinta anos esse conhecimento tem sido negligenciado em ambas aquelas instituições. E assim perdeu-se o conhecimento, a pregação tornou-se monótona, e uma grande parte da Igreja pereceu.
Ainda havia olho e ouvido para a obra objetiva do Filho, mas a obra do Espírito Santo é ignorada e negligenciada. Consequentemente a vida espiritual afundou a tal ponto que, enquanto dificilmente uma terça parte da plenitude da graça a qual está em Cristo Jesus está sendo conhecida e honrada, homens ousam insistir que pregam o Cristo crucificado. Por isso a discussão da obra do Espírito Santo nos indivíduos demanda que, enquanto correndo o risco de ser chamado "guias eruditos", nós deixamos as trilhas das generalidades e superficialidades e procedemos a uma análise cuidadosa. As operações do Espírito Santo sobre as várias partes do nosso ser nas suas várias condições devem ser distinguidas e tratadas separadamente; não somente nos eleitos, mas também nos não eleitos, pois elas não são as mesmas. É verdade que a Bíblia ensina que Deus faz com que o Seu sol brilho sobre o bom e os mau, e que a Sua chuva desça sobre o justo e o injusto, de modo que no reino da natureza toda boa dádiva vinda do Pai das luzes é comum a todos; mas no reino da graça o mesmo não acontece. O Sol da justiça muitas vezes brilha sobre um, deixando outro em trevas; e as gotas da graça ao cair, muitas vezes molham uma alma, enquanto que outras permanecem completamente desprovidas delas. Por conseguinte, embora a obra do Espírito nos eleitos seja de importância primária, esta todavia não exaure a Sua obra nos indivíduos. Para muitos em Israel, Cristo foi também designado para uma queda; e até isto é trabalhado pelo testemunho do Espírito Santo. Não somente o sabor a vida, mas o gosto da morte também atinge a alma pelo Seu intermédio; como o apóstolo declara com relação àqueles que, havendo recebido o dom do Espírito Santo, mesmo assim caíram.
A Sua atividade neles, e na sua condição quando Ele inicia as suas operações salvadoras ou endurecedoras, deve ser cuidadosamente notada. E é claro, que este não é o lugar para discutir exaustivamente a condição dos caídos. Isto requereria uma investigação especial. Muitas coisas que talvez em outros lugares sejam explicadas em detalhe, aqui recebem somente uma nota passageira. Mas servirá ao nosso propósito se tivermos sucesso em proporcionar ao leitor uma visão tão clara da condição do pecador, que ele possa compreendernos quando discutirmos a obra do Espírito Santo no pecador. Por "pecador", entendemos o homem como ele é, como ele vive, como ele se move naturalmente, i.e. sem a graça. E em tal estado, ele encontra-se morto em delitos e em pecados; alienado da vida de Deus; completamente depravado e sem forças; um pecador, e portanto culpado e condenado. E não somente morto, mas prostrado no meio da morte, cada vez afundando mais na morte, a qual se não for detida no seu curso, abrir-se-á sob o pecador cada vez mais, até transformar-se em morte eterna.
Este é o pensamento fundamental, a idéia mãe, a concepção principal deste estado. "Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens..."[Romanos 5:12]. E "Porque o salário do pecado é a morte..."[Romanos 6:23]. "...e o pecado, sendo consumado, gera a morte"[Tiago 1:15]. De modo a passar para um outro estado, a pessoa tem primeiro de passar da morte para a vida. Mas esta idéia geral de morte deve ser analisada nas suas várias relações; e deve ser determinado, para este fim, o que o homem era antes, e no que ele se tornou depois dessa morte espiritual.
Fonte: Abraham Kuyper. Obra do Espírito Santo, D.D., LL.D.
Professor de Telogia Sistemática na Universidade de Amsterdam
Traduzido do Holandês para o Inglês com Notas Explanatórias pelo Rev. Henri de Vries.
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