O Desamparo aprendido

O Desamparo Aprendido Revisitado: Estudos com  Animais
Maria Helena Leite Hunziker ( http://www.ip.usp.br/portal/images/stories/fotos-docentes/maria-helena-leite-hunziker.jpg)
Universidade de São Paulo

O  desamparo  aprendido  tem  sido  definido  como  a  dificuldade  de  aprendizagem  apresentada  por  indivíduos  que tiveram  experiência  prévia  com  estímulos  incontroláveis (Maier  &  Seligman,  1976).  Segundo  Peterson,  Maier  e Seligman  (1993),  a  identificação  do  desamparo  aprendido se  deu  de  forma  acidental.  Os  primeiros  trabalhos  foram realizados  na  década  de  1960,  quando  a  Teoria  dos  Dois Fatores  estava  no  centro  das  discussões,  sugerindo  que  o comportamento  de  esquiva  decorreria  de  dois  processos  de aprendizagem:  um  processo  respondente  –  produzido  pelo pareamento  do  estímulo  aversivo  com  o  estímulo  que  o precedesse  sistematicamente  (transferindo  a  este  a  função de  estímulo  aversivo  condicionado,  ou  CS)  -,  e  outro  processo  operante,  no  qual  o  reforçamento  seria  decorrente  do término  do  CS  (Mowrer,  1947;  Rescorla  &  Solomon,  1967). Nessa  época,  Bruce  Overmier  e  Russell  Leaf,  dois  alunos  de pós-graduação  orientados  por  Solomon  (um  dos  defensores dessa  teoria),  decidiram  manipular  a  ordem  de  aquisição  dos condicionamentos  respondente  e  operante  para  verificar  se isso  interferiria  na  aquisição  de  esquiva.  Para  tanto,  liberaram choques e estímulos sonoros em diferentes ordens de apresentação,  pareados  ou  não,  relacionados  ou  não  com  a  resposta de  esquiva.  Dentre  as  várias  manipulações  efetuadas,  eles expuseram um grupo de cães, presos em arreios, à associação luz/choque (associação CS/US). Como essa fase buscava propiciar  apenas a aprendizagem respondente, nenhuma respostadesses  cães  produzia  qualquer  modificação nos choques, que eram, portanto,  incontroláveis.  Posteriormente,  esses  animais foram  colocados  em  uma  caixa  onde  um  tom  antecedia  choques  por  um  intervalo  fixo  de  tempo:  caso  o  sujeito  saltasse para  o  compartimento  oposto  da  caixa,  o  som  era  desligado e  o  choque  evitado  (contingência  de  esquiva).  Ao  longo desse  teste,  o  CS  luz  (utilizado  na  primeira  fase)  era  também apresentado,  independentemente  da  contingência  de  esquiva em  vigor,  com  a  finalidade  de  verificar  se  esse  CS  teria  se tornado  aversivo  a  ponto de aumentar a probabilidade da resposta  de saltar. 
Contrariando  a teoria  em avaliação, obtiveram que  a  luz  não  aumentou  a  probabilidade  de  saltar.  Contudo, um  resultado  inesperado  lhes  chamou  a  atenção:  apesar  de estar  vigorando  uma contingência de reforçamento negativo, a  resposta  de  esquiva  não  foi  aprendida.  Esses  resultados, paralelos  aos  objetivos  da  pesquisa,  sugeriram  que  choques incontroláveis  podiam  afetar  novas  aprendizagens  operantes negativamente reforçadas (Overmier & Leaf, 1965). Em  função  desses  resultados,  Martin  Seligman  (outro pós-graduando  daquele  laboratório)  se  associou  a  Bruce Overmier,  passando  a  investigar  essa  interferência  da  incontrolabilidade  sobre  a  aprendizagem.  Para  isso,  expuseram grupos de cães a choques incontroláveis ou a nenhum choque e,  posteriormente,  submeteram  esses  animais  a  uma  contingência  de reforçamento negativo. Na sua primeira publicação sobre  o tema, Overmier e Seligman (1967) mostraram que os animais  anteriormente  submetidos  a  choques  incontroláveis não aprenderam a resposta prevista  no teste,  ao  contrário  dos cães  não submetidos aos choques, que aprenderam a resposta de fuga rapidamente. Apesar  de  ser  pioneiro  nessa  área,  esse  trabalho  não separou  experimentalmente  os  efeitos  dos  choques  daquelesdecorrentes  da  sua  incontrolabilidade.  Isso  foi  feito  em  seguida,  tendo  Seligman  e  Maier  (1967)  estudado  simultaneamente três  sujeitos,  cada  um pertencente  a um grupo distinto, caracterizando  o  que  se  passou  a  chamar  “delineamento triádico”.  Na  primeira  fase,  dois  cães  foram  submetidos simultaneamente  a  choques  elétricos,  enquanto  o  terceiro animal  permanecia  na  caixa  experimental,  sem  choques.

O controle  sobre  os  choques  era  permitido  apenas  a  um  dos cães  que,  submetido  a  uma  contingência  de  fuga,  podia desligá-los  emitindo  uma  resposta  previamente  selecionada (pressionar  um  painel  com  o  focinho).  Quando  isso  ocorria, sua  resposta  também  desligava  o  choque  do  segundo  sujeito, cujas  respostas  não tinham conseqüência programada. Assim, apesar  de ambos os cães receberem choques similares (no que diz  respeito  a  número,  intensidade,  intervalo,  etc.),  apenas o  primeiro  podia  exercer  controle  sobre  esses  estímulos;  o segundo  animal,  por  não  poder  alterar  a  duração  dos  choques,  encontrava-se  exposto  à  condição  definida  como  de incontrolabilidade.  Vinte  e  quatro  horas  depois,  cada  sujeito foi  exposto  a  uma  sessão  na  qual  a  resposta  de  correr  era negativamente  reforçada.  Os  resultados  mostraram  que tanto os  animais  previamente  tratados  com  choques  controláveis, como  os  não  expostos  a  choques,  aprenderam  igualmente a  resposta  de  fuga,  mostrando  latências  gradual  e  sistematicamente  mais  baixas  ao  longo  da  sessão.  Ao  contrário,  os animais  previamente  expostos  aos  choques  incontroláveis não  emitiram  a  resposta  de  fuga  ou,  quando  o  fizeram,  não houve  aumento  subseqüente  na  probabilidade  de  ocorrência dessa  resposta.  Como  resultado  geral,  esses  sujeitos  apresentaram  latências  altas  durante  toda  a  sessão;  portanto,  não aprenderam a resposta de fuga. A  essa  dificuldade  de  aprender  uma  relação  operante, decorrente  da  exposição  prévia  a  eventos  aversivos  incontroláveis,  deu-se  o  nome de efeito de interferência  (Overmier  & Seligman,  1967;  Seligman  &  Maier,  1967).  Apesar  de  essa denominação ser bastante descritiva  do  efeito  comportamental  em estudo, ela foi rapidamente substituída pelo termo “desamparo  aprendido”  (learned  helplessness),  o  qual  também denominou  uma  das  hipóteses  explicativas  do  fenômeno, conforme se verá mais à frente (Maier, Seligman & Solomon, 1969;  Maier  &  Seligman,  1976).  Por  alguns  anos,  houve  a tentativa  de  manutenção  da  terminologia  original,  isenta de  conotação  teórica  (Crowell  &  Anderson,  1981;  Glazer &  Weiss,  1976a).  Contudo, o  termo  desamparo  aprendido foi  o  mais  difundido,  afirmando-se  como  denominação  do efeito  (Seligman,  1975;  Peterson  &  cols.  1993),  apesar  da indesejável  simbiose  que  se  estabeleceu  entre  o  efeito  e  a  sua interpretação teórica. Algumas  variações  no  procedimento  básico  possibilitaram a expansão da análise do desamparo aprendido. Dois procedimentos podem ser destacados, um voltado à “prevenção” e  outro  ao “tratamento”  do desamparo. Para testar a “prevenção”,  foi  analisada  a  importância  da  ordem  de  aprendizagem estabelecida.  Considerando-se  que  o  comportamento  é  um fenômeno cumulativo e que a exposição à incontrolabilidade promove  a  aprendizagem  de  que  o  estímulo  independe  da resposta,  é  de  se  esperar  que  uma  primeira  aprendizagem  de controle  sobre  esse  estímulo  possa  minimizar  os  efeitos  de experiências  futuras  com  a  sua  incontrolabilidade.

Para verificar experimentalmente essa suposição, um grupo de cães foi submetido  a  uma  primeira  sessão  com  choques  controláveis (fuga/esquiva),  seguida  por  outra  na  qual  eram  expostos  a choques  incontroláveis.  Verificou-se  que,  quando  testados posteriormente  em  fuga/esquiva,  esses  animais  aprenderam normalmente  a  resposta  no  teste.  Esse  efeito  foi  chamado  de imunização,  pois  sugeria  que o controle exercido na primeira sessão  teria  “imunizado”  os  sujeitos  contra  o  aprendizado posterior  da  incontrolabilidade,  deixando-os  aptos  a  aprenderem  a  relação  operante  estabelecida  no  teste  (Seligman &  Maier,  1967).  Portanto,  o  estudo  do  efeito  de  imunização mostrou que a história de reforçamento pode ser uma variável crítica na  prevenção  contra o desamparo. Haveria  um  procedimento  que  poderia  reverter  o  desamparo,  depois  que  esse  padrão  de  comportamento  já  estivesse estabelecido?  Para  responder  a  essa  questão,  Seligman  e Maier  (1967)  selecionaram  cães  que  haviam  apresentado desamparo  e  os  reexpuseram  à  contingência  de  fuga  do teste,  forçando-os  fisicamente a experimentar o reforçamento. Isso  foi  feito  prendendo  correias  ao  seu  corpo  e  colocando os  animais  novamente  na  caixa  de  teste,  que  era  dividida  em dois  compartimentos  por  uma  pequena  barreira.  Ao  iniciar o  choque,  os  experimentadores  puxavam  os  cães  com  as correias,  na  direção  da  barreira,  até  que  eles  a  saltassem, indo  para  o  compartimento  oposto.  Essa  resposta  de  saltar era  imediatamente  seguida  pelo  término  do  choque.  A  cada choque,  esse  procedimento  era  reiniciado.  Depois  de  expostos  seguidamente  a  essa  contingência  de  fuga  forçada, os  cães  passaram  a  emitir  a  resposta  de  fuga  sem  a  ajuda dos  experimentadores,  mostrando  a  reversão  do  desamparo. Com  outro  procedimento,  buscou-se  “tratar” os  animais previamente  expostos  a  choques  incontroláveis  expondo-os repetidamente  a  contingências  de  reforçamento  positivo.  Os estudos  têm  mostrado  que,  embora  inicialmente  os  animais apresentem baixa taxa de respostas,  o contato repetido  com o reforçamento  positivo  reduz  os  efeitos  da  incontrolabilidade dos choques (Erbetta, 2004). Interpretações teóricas A análise teórica  dos processos envolvidos no desamparo aprendido  tomou  duas  direções  opostas:  uma  que  defende que,  a  despeito  do  arranjo  experimental,  o  sujeito  aprende a  controlar  o  estímulo  (por  meio  de  contingências  acidentais),  e  outra  que  propõe  o  aprendizado  da  impossibilidade de  controle.  A  primeira  interpretação  embasa  a  hipótese  da inatividade  aprendida.  Ela  considera  que  o  desamparo  não é  um  efeito  direto  da  incontrolabilidade  dos  choques,  mas sim  fruto  de  contingências  acidentais,  que  se  estabelecem  de forma  não  programada  pelo  experimentador,  e  selecionando baixa  atividade  motora.  Conseqüentemente,  se  o  animal aprende  a  ficar  pouco  ativo,  ele  fica  menos  apto  a  emitir  a resposta  de  fuga  no  teste,  caso  essa  resposta  envolva  alta movimentação corporal (tal como correr, saltar  ou pressionar a  barra).  Essa  proposição  considera,  portanto,  que  a  incontrolabilidade  não  atua  diretamente  sobre  o  comportamento, mas  apenas  estabelece  a  condição  propícia  para  que  surjam contingências  acidentais.  Uma possibilidade seria  que a grande  movimentação  corporal  eliciada  pelos  primeiros  choques coincidiria  com  a  continuidade  dos  mesmos,  gerando  uma punição da alta atividade motora (Bracewell & Black, 1974).
Outro  processo  acidental  possível  envolveria  reforçamento negativo  da  inatividade.  Ela  foi  sugerida  pela  observação  de que  a  movimentação  corporal  tende  a  se  reduzir  após  alguns segundos de choque, possibilitando  que o término do choque coincida com baixa atividade motora (Glazer & Weiss, 1976a, 1976b).  Portanto,  isoladamente  ou  em  conjunto,  essas  duas contingências  acidentais  levariam  à  inatividade,  gerando  o desamparo aprendido. Em direção contrária  à anterior,  a  hipótese  do desamparo aprendido  pressupõe  que  o  efeito  obtido  é  fruto  direto  da impossibilidade  de  controle  do  ambiente:  o  sujeito  aprende que  não  existe  relação  entre  suas  respostas  e  os  estímulos, aprendizagem essa que se contrapõe à aprendizagem seguinte que  envolve  contingência  de  reforçamento  (Maier  &  cols., 1969; Maier & Seligman, 1976). Deve-se ressaltar que a “hipótese do desamparo aprendido” extrapola  a análise das relações funcionais objetivamente estabelecidas  na condição experimental e considera como críticos alguns processos cognitivos/mentalistas,  inferidos  a  partir  dos dados. Segundo seus proponentes (Maier & cols., 1969; Maier &  Seligman,  1976),  a  variável  independente  crítica  para  o desamparo não é a incontrolabilidade estabelecida experimentalmente, mas sim a expectativa desenvolvida pelo indivíduo de que ele não pode controlar o ambiente. Essa expectativa atuaria em diferentes  níveis,  promovendo um conjunto de efeitos que comporiam o desamparo como uma síndrome, e não como um simples  comportamento,  que  abarcaria  três  tipos  de  déficits: motivacional,  cognitivo  e  emocional.  O  déficit  motivacional seria,  do  ponto  de  vista  descritivo,  caracterizado  pela  baixa probabilidade  da  resposta  no  teste.  No  nível  interpretativo cognitivista,  é  sugerido  que  após  os  choques  incontroláveis  o sujeito  cria  a  “expectativa”  de  que  o  reforçamento  não  vem e  por  isso  não  tem  motivo  para  emitir  respostas  no  teste.  Por sua vez, o déficit cognitivo é objetivamente caracterizado pelo fato  do  animal  não  ter  seu  comportamento  modificado  pelo reforçamento  negativo:  mesmo  que  o  animal  emita  algumas respostas  de  fuga  no  teste  e  experimente  que  essa  resposta  é seguida  pelo  término  do  choque,  seu  comportamento  não  fica sob  o  controle  dessa  relação  de  conseqüenciação.  Segundo a  interpretação  cognitivista  desse  efeito,  ele  decorre  de  uma alteração  na  forma  como  o  sujeito  processa  a  informação relativa  à  nova contingência. Seria esse “erro de processamento”,  causado  pela  “expectativa”  de  incontrolabilidade,  que  o levaria  a  não  registrar  a  relação  de  dependência  que  há  entre suas  respostas  e  as  mudanças  no  ambiente.  Por  fim,  o  déficit emocional  é  caracterizado  por  alterações  fisiológicas,  tais como  mudanças  do  ciclo  de  sono  e  de  ingestão  de  alimentos, imunossupressão,  entre  outras.  Na  interpretação  cognitivista, a  “crença” de que o reforço não virá, produz estados alterados de  emoções  (ansiedade  e  depressão)  que,  por  sua  vez,  levam a  essas  alterações  fisiológicas. A  hipótese  do  desamparo  tem,  portanto,  dois  níveis  de apresentação  que  precisam  ser  analisados  separadamente:  (1) o  nível  descritivo,  que  diz  respeito  aos  dados  experimentais obtidos,  e  (2)  o  nível  interpretativo,  baseado  em  processos mentalistas  que  são  inferidos  dos  dados  experimentais.  O  nível  descritivo  é  bem  estabelecido  cientificamente,  permitindo previsão  e  controle  dos  comportamentos  em  estudo. As  interpretações  mentalistas  não  são  aceitas  por  unanimidade,  principalmente  na  perspectiva  do  behaviorismo  radical  (Skinner, 1974). Além  dessa  divergência  filosófica,  deve-se  considerar que  o  caráter  explicativo  dado  à  suposta  “expectativa”  cria uma  circularidade  de  análise  bastante  indesejável  cientificamente:  a  dificuldade  de  aprendizagem  é  o  dado  que  indica  a “expectativa”,  e  essa  “expectativa”  é  a  causa  da  dificuldade de  aprendizagem  (ou  seja,  diz-se  que  o  sujeito  apresenta  o desamparo  porque  criou  a  expectativa  de  não  ter  controle sobre  o meio, e sabe-se que ele criou essa expectativa porque apresentou  desamparo). Com essas características, a hipótese do  desamparo  permite  apenas  explicações  post  hoc:  só  se pode  deduzir  o  desenvolvimento  da  “expectativa”  através  da dificuldade  de  aprender  e  não  pela  exposição  pura  e  simples à  incontrolabilidade. Assim,  não  existe  previsão  de  resultado antes  de o trabalho ser realizado. Resultados negativos (aprendizagem  mesmo  após  experiência  com  incontrolabilidade) podem ser explicados sem refutar a hipótese: se o sujeito não apresentou  o desamparo é porque, apesar da experiência com incontrolabilidade,  ele  não  desenvolveu  a  “expectativa”  de impossibilidade  de  controle  (ver  análise  dessa  circularidade em Levis, 1976). Apesar desses pontos criticáveis, a hipótese do desamparo tem  a  seu  favor  o  fato  de  considerar  que  o  comportamento é  sensível  à  condição  de  incontrolabilidade,  suposição  essa compatível  com  a  sensibilidade  já  identificada  a  pequenas variações  no  contínuo  de  dependência  entre  resposta  (R) e  estímulo  (S),  descrita  pelos  analistas  do  comportamento (Catania,  1998).  Do  ponto  de  vista  lógico,  se  há  sensibilidade  para  variações  no  contínuo  de  controlabilidade  (nas diferentes  contingências  operantes),  deve  haver  também para  a  condição  de  incontrolabilidade.  Assim,  sob  a  perspectiva  do  behaviorismo  radical,  o  expurgo  do  mentalismo na hipótese  do desamparo aprendido pode torná-la útil  como instrumento  de  análise  dos  resultados  experimentais:  a  variável  independente,  incontrolabilidade  dos  choques,  pode ser  definida  operacionalmente  e,  portanto,  não  depende  de julgamentos  subjetivos  do  experimentador;  a  emissão  da resposta  de  fuga,  em  função  do  reforçamento  negativo,  é  a variável  dependente  em  estudo.  Assim,  têm-se  em  mãos  as variáveis  necessárias  para  se  fazer  a  análise  funcional  dos comportamentos  emitidos,  envolvendo  basicamente  processos  operantes  e  respondentes,  sem  ser  necessário  falar  em motivação/incentivo/expectativa. Essa  releitura  da  hipótese  do  desamparo  aprendido considera  que  o  arranjo  de  incontrolabilidade  não  produz reforçamento  diferencial  de  qualquer  resposta.  O  que  é aprendido  (e  supostamente  generalizado  para  a  condição futura)  é  justamente  a  ausência  de  relação  R-S.  Não havendo conseqüenciação  sistemática,  a  alta  movimentação  corporal, eliciada  pelos  primeiros  choques,  tende  a  reduzir  em  função de  um  processo  de  habituação,  ocorrendo  de  forma  gradualmente  menos  intensa.  Conseqüentemente,  a  freqüência  e a  intensidade  da  movimentação  corporal  caem  ao  longo  da sessão,  deixando  o  sujeito  pouco  ativo.  Uma  vez  que  o  teste tem  muitos  estímulos  comuns  à  fase  de  tratamento,  é  possível  que,  ao  menos  no  início  da  sessão,  essa  passividade  se generalize.  Assim,  pode-se  prever  que  o  sujeito  se  comporte no início  do teste  da mesma forma que vinha se comportando na fase anterior,  ou  seja,  de  forma pouco ativa. Porém, a mera inatividade  não  explica  todo  o  processo,  pois  é  freqüente  que o animal emita a resposta de fuga, experimentando o términodo  choque  contingente  a  ela,  sem  que  isso  aumente  a  probabilidade  futura  de  emissão  dessa  resposta.  De  acordo  com essa  hipótese,  a  insensibilidade  ao  reforçamento  negativo  se deve  à  aprendizagem  prévia  de  ausência  de  relação  R-S,  que é  oposta à aprendizagem de fuga que envolve uma relação de dependência  entre  a  resposta  e  o  término  do  choque.  Sendo opostas  essas  aprendizagens,  é  de  se  esperar  que  a  primeira dificulte a seguinte, produzindo o desamparo. Essa  análise  permite  prever  a  baixa  atividade  geral  que se  observa  ao  final  da  sessão  de  choques  incontroláveis,  bem como o desamparo no teste, sem, contudo, vincular um efeito como  causa  do  outro.  O  ponto  crítico  é  que  não  há  seleção operante  na  sessão  de  incontrolabilidade,  condição  oposta à  do  teste,  que  busca  selecionar  uma  classe  específica  de respostas.  Portanto,  o  procedimento  empregado  nos  estudos sobre  desamparo  permite  confrontar  dois  tipos  de  aprendizagens,  relativas  à  incontrolabilidade  e  à  controlabilidade do  ambiente,  sendo  a  sua  ordem  de  ocorrência  crítica  para  a produção dos efeitos de desamparo ou de imunização. As  hipóteses  do  desamparo  aprendido  e  da  inatividade aprendida  oferecem  previsões  de  efeitos  contrários  em  decorrência  de  algumas  manipulações,  o  que  permite  seu  teste experimental.  Diversos  estudos  foram  realizados  com  esse f im,  a  maioria  deles  mostrando  resultados  contrários  à  hipótese  da  inatividade.  Por  exemplo,  Yano  e  Hunziker  (2000) realizaram  dois experimentos para confrontar essas hipóteses, nos quais a variável  manipulada foi o grau de atividade física requerido  pela  resposta  de  fuga  no  teste.  Considerando  o proposto  pela  hipótese  motora,  se  o indivíduo  aprende a ficar inativo  durante  os  choques incontroláveis,  então  o desamparo só ocorre se a resposta de teste envolver alta atividade motora, podendo  mesmo  haver  uma  facilitação  da  aprendizagem  no caso  de  a  resposta  requerer  baixa  atividade  para  ser  emitida. Ao  contrário,  a  hipótese  do  desamparo  –  que  postula  que  a variável  crítica  é  a  aprendizagem  de  que  os  eventos  do  meio não  são  passíveis  de  controle  –  permite  prever  que  o  grau  de atividade  motora  exigida  para  emissão  da  resposta  no  teste é  irrelevante  para  a  ocorrência  do  déficit  de  aprendizagem. Portanto,  os  sujeitos  expostos  aos  choques  incontroláveis deveriam  apresentar  o  desamparo  independentemente  de  a resposta  de teste envolver alta ou baixa atividade motora. Nesse  estudo,  foram utilizadas  duas  respostas  de  fuga  diferentes: “saltar”  e  “focinhar”  (colocar  o  focinho  em  um  orifício  na parede).  Considerou-se  que  e  resposta  de  focinhar  poderia ser  classificada  como resposta de baixa atividade motora uma vez que, para sua emissão, é indispensável que o sujeito esteja parado,  com  o  corpo  voltado  para  o  orifício  da  parede  e  o focinho  na  altura  do  mesmo,  sendo  a  única  movimentação requerida  a  de esticar  o  pescoço,  de forma a introduzir o focinho no orifício. Ao contrário,  a  resposta  de  saltar  poderia  ser classificada  como  de  alta  atividade  motora,  pois  sua  emissão requer  o  deslocamento  global  do  sujeito  que  deve  sair  de  um compartimento  e  chegar  ao  outro,  do  lado  oposto  da  caixa. Portanto,  o  reforçamento  negativo  dessas  duas  respostas  seleciona  padrões  opostos  de  atividade  motora.  Os  resultados do  primeiro  estudo  mostraram  igual  nível  de  desamparo nos  testes  com  as  respostas  de  saltar  e  de  focinhar,  confirmando  a  previsão  da  hipótese  do  desamparo  e  contrariando o  previsto  pela  hipótese  motora.  No  segundo  experimento, foram  testadas  as  previsões  sobre  o  efeito  de  “imunização”. Segundo a hipótese motora, o efeito de imunização dependeria  da  combinação  entre  o  grau  de  atividade  motora  exigido pelas  respostas  da  primeira  e  última  sessão,  considerando  as sessões  de  pré-treino/incontrolabilidade/teste.  Se  a  resposta de  fuga  do  pré-treino  requeresse  baixa  atividade  motora  e a  resposta  de  fuga  no  teste  envolvesse  alta  movimentação corporal  (combinação  baixa/alta),  o  previsto  seria  um  efeito de desamparo aprendido muito acentuado, contrário ao efeito de imunização. Na combinação oposta (alta/baixa), o previsto seria  imunização  acentuada (ou seja,  aprendizagem de fuga a despeito  da exposição prévia aos choques incontroláveis). Na previsão  da  hipótese  do  desamparo  aprendido,  a  imunização se  daria  independente  dessa  combinação,  pois  o  sujeito  teria aprendido  na  primeira  sessão  que  ele  tinha  controle  sobre os  choques,  aprendizagem  essa  que  o  “imunizaria”  contra a  aprendizagem  oposta  da  incontrolabilidade  na  sessão  de tratamento.  Portanto,  apenas  na  combinação  baixa/alta  as previsões  diferiam entre essas hipóteses. Utilizando, portanto, essa  combinação  (com  as  respostas  de  focinhar/saltar),  os resultados  mostraram  acentuada  imunização,  confirmando a previsão da hipótese do desamparo aprendido....

Visitem o estudo completo no sítio abaixo:

Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-37722005000200002&script=sci_abstract&tlng=pt
Maria Helena Leite Hunziker http://www.ip.usp.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=861:principal&catid=239&Itemid=92

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