SUBJETIVIDADE SEM PSICOLOGIA 3 - por João José R. L. Almeida

Introdução

O fracasso epistemológico da psicanálise poderia, entretanto, converter-se numa proposição positiva se abandonássemos a pretensão de legitimação científica e deixássemos de lado a multiplicação de entidades metafísicas explicativas. Neste caso, a psicanálise deveria ater-se somente à sua tradição, a clínica do inconsciente (dos atos inconscientes), sem perder-se nas filosofias. Bastaria, para isto, dispor de uma carga metafísica suficientemente mínima para dar conta do setting analítico. Como isto poderia ser feito? Sabemos que a clínica psicanálitica se estabelece com a transferência. Na realidade, o que se chama de “transferência” é, usando outro modo de expressão, um jogo que se resume por uma “regra fundamental”. A “regra fundamental” é o componente constitucional da psicanálise. É o penhor da sua tradição. E o que se chama de “fundamental” na psicanálise é a fala, ou a relação, possível e necessária, entre o analisando e o analista. Pela regra fundamental da psicanálise, o analisando deve circunscrever-se a tudo falar sem nada ocultar por motivos de vergonha, medo ou crítica. É o que se denomina na tradição psicanalítica como “associação livre”. E pelo lado do analista, este não pode fazer nada que possa criar obstáculos à livre associação. Pelo contrário, a sua única posição possível é a de favorecer o livre fluxo da fala.
- Por tais regras, como se pode jogar o jogo?
Entrariam então, pela psicopatologia minimalista, sete formas de atitudes proposicionais, sete formas de ação psicopatológica, correspondentes a sete diferentes figuras que fixam as reações do analisando na clínica psicanalítica. Estas são:
(a) Histeria – o outro é incapaz de atender à minha demanda.
(b) Neurose Obsessiva – sou incapaz de atender à demanda do outro.
(c) Perversão – finjo atender à demanda do outro.
(d) Depressão – não faço demandas nem as acolho.
(e) Mania – sou capaz de atender à demanda do outro.
(f) Paranóia – o outro demanda sem que eu haja demandado.
(g) Esquizofrenia – constituo o outro a quem demando.

Como jogo de linguagem, restrito somente a regras mínimas com o mínimo de metafísica, a psicanálise não seria mais um “saber sobre”, não teria mais por que multiplicar-se, em tendência infinita, na forma de distintos subtipos teóricos. Sendo nada mais que um “saber-fazer” ou um “saber-como”, qualquer subtipo teórico da psicanálise, estando de acordo com a “regra fundamental”, estaria imediatamente de acordo com a metapsicologia minimalista.
A explicação teórica desta metapsicologia, a sua metafísica, seria a diferença entre as distintas escolas. Porém, sobre a metafísica, assim como sobre as “ilusões transcendentais” que critica Kant em sua dialética, é ocioso discutir. Restringindo-se a não mais que uma atividade lingüística, um determinado jogo de linguagem com regras bem estabelecidas pela tradição, a psicanálise mater-se-ia como clínica centrada na fala, e a sua teoria, circunscrita meramente à prática da clínica, seria informada por uma concepção pragmática da linguagem, que concebe a fala como ação e dispensa qualquer tipo de concepção de verdade. A metapsicologia trataria somente das atitudes proposicionais como ações inconscientes. O propósito do psicanalista seria, neste sentido, fazer fracassar os atos de fala conflitivos do analisando. A cura, fim da clínica, viria por acréscimo, não por necessidade.
Bibliografia
ALMEIDA, João José R. L (2004). “A Compulsão à Linguagem na Psicanálise: Teoria Lacaniana e Psicanálise Pragmática”. Campinas, Tese de Doutorado, IFCH- Unicamp.
(1915). “O Inconsciente”. [Das Unbewusste, G.W., 10]. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v. XIV. Rio de Janeiro, Imago, 1974.
KIMMERLE, Gerd (2000). Denegação e Retorno. Uma Leitura Metodológica de Para Além do Princípio de Prazer, de Freud. Piracicaba, Editora Unimep. LACAN, Jacques (1945). “Le Temps Logique et L’Assertion de Certitude Antecipée, Un Nouveau Sophisme. In: Écrits. Paris, Ed. du Seuil, 1966, pp. 197-213.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O ABORTO ENTRE ADOLESCENTES

O despenseiro fiel.

A Salvação. Russell N. Champlin